No dia seguinte, retornamos a Itaparica, para os últimos três dias em terras de Pedro Álvares Cabral...
Itaparica é uma ilha que fica em frente a salvador a mais ou menos cinqüenta minutos de ferry-boat, é algo tão tranqüilo, tão calmo, tão reconfortante, que se as pessoas soubessem, iriam para a ilha para curar dos seus esgotamentos e sairiam concerteza completamente refeitos e recuperados.
A freqüência da ilha é fundamentalmente de nativos, somente aos finais de semana vêm outras gentes, aqueles que habitam na cidade-Salvador.
Por vezes, encontra-se João Ubaldo, passeando de calções e chinelos, juntos ao caís de Itaparica, cumprimentado por todos aqueles que passam ao seu redor, senta-se junto ao muro observando o lento e silencioso bater das ondas.
O único stress em determinados dias, é o cantar dos pássaros e o bater das ondas...
Estávamos no caís observando a Ilha de Madre - de Deus que fica bem á nossa frente, quando Zé Gordão (habitante e nativo da ilha-homem de sete actividades-Professor, Técnico de Futebol, dono de Bar e principalmente homem com um objetivo social dentro da comunidade – fundou uma escolinha de futebol juvenil, sem ajuda de ninguém só de Deus – segundo ele dizia. Meninos – como ele nos chamava – Gostaria de fazer um jantar para vocês, o que acham. Hoje á noite está bom... Claro, respondemos quase que em uníssono, Zé tinha um barzinho que funcionava só para os amigos, em dias especiais, quem cozinhava era a Senhora dele e ás vezes a mãe.
Meninos, a minha mãe quer fazer algo para vocês, ela é que insistiu, podemos levar um vinhozinho Português, perguntei – claro Ricardo para vocês, tu sabes que eu não bebo – Zé era evangélico e o álcool era proibido na sua formação religiosa.
Tínhamos passado bons momentos no bar do Zé, tomávamos umas atrás de outras, comíamos uns petiscos feitos pela Senhora dele e ouvíamos umas mornas de Cabo-Verde ao final de tardinha no meio da rua, pois a casa dele ficava em frente ao caís e á praia, Zé punha as caixas de som no passeio e fazíamos grandes farras ao som da música Cabo-Verdiana dos Tubarões, (era um grupo de excelentes instrumentistas, da música de Cabo-Verde)
Cabo verde e um país africano, constituído por dez ilhas e que está localizado no oceano atlântico e que foi colônia de Portugal desde o século XV até á sua independência em mil novecentos e setenta e cinco. O povo cabo-verdiano é conhecido pela sua musicalidade.
Morna é um estilo de música mais calmo – mais introspectivo – idêntico ao que canta hoje Cesária Évora – inclusive á quem diga que o Fado tem as suas raízes na morna, porque os marinheiros Portugueses, nas longas viagens de ida e de volta, ouviam os escravos a sussurrar determinado som triste, melancólico. Outro estilo era a coladera, mais animada que ás vezes Zé perguntava e afirmava – Será que não é lambada – ele próprio dizia – Claro que é ao que eu respondia – é parecido Zé, tudo vem de lá, de áfrica...
Nunca tínhamos comido aquele repasto que a mãe de Zé tinha feito com tanto esmero.
Era Caruru...
Feito de quiabos, camarão seco, castanha de caju, amendoim, gengibre e azeite de dendê, acompanhado de vatapá e feijão fradinho... E regado com um vinho branco que trouxemos de Lisboa... Hummm...
Mãe de Zé discretamente, como mandam as regras, olhava para nós, sem nada dizer esperando é claro o nosso pronunciamento, Calicas sem mais delongas levanta-se e diz com o copo de vinho levantado na mão direita – “Que sejam estas as últimas balas que possam trespassar os nossos depauperados corações” (era uma saudação nossa que utilizávamos em todas as circunstâncias quando brindávamos a algo) que assim seja, disse Zé sem compreender muito bem o que Calicas queria dizer com aquela frase...
Obrigado por tudo amigo Zé, você nos proporcionou momentos muito agradáveis e ao dizer isso dei-lhe um abraço com muita emoção e sinceridade, ao que Fêfê logo em seguida (agradecendo os bons momentos) – pela primeira vez comi aqui na Bahia e penso que é opinião de todos, algo muito saboroso, por que foi feito só para nós com amizade e amor... Os olhos de Zé encheram-se de lágrimas de emoção e a sua mãe disse muito timidamente – é exagero, é exagero meu menino.
De regresso a Lisboa, para nosso desespero as férias tinham acabado, mas para nós tinha ficado o que de melhor poderíamos subtrair.
Talvez dos três, eu tenha ficado mais marcado com aquilo tudo. Éramos três africanos (Féfé Moçambicano, eu e o Calicas Angolanos e da mesma terra – Lobito) indo buscar um pouco das nossas raízes culturais a um Brasil – Baiano cheio de sons, de cores e de cheiros.
Portugal estava a começar a mudar aos poucos, as verbas comunitárias algumas a fundo perdido, tinham alterado a fisionomia do país.
Estruturalmente e organizacionalmente notavam-se mudanças.
Toda a zona portuária de Lisboa junto ao Rio Tejo que banha a capital estava a ser reestruturada, preparava-se a Expo noventa e oito, a exposição universal realizar-se-ia em Lisboa pela primeira vez na história deste país secular. Comemorar-se-ia os quinhentos anos dos descobrimentos Portugueses além mar e a revitalização do pais era inadiável.
Nunca na recente história da Republica Portuguesa, o país tinha recebido tantos fundos financeiros e econômicos e a esperança renascia com a idéia de modernidade. As obras sucediam-se umas atrás das outras, algumas empresas portuguesas, começavam a preparar a sua internacionalização e tentavam aumentar a sua capitalização bolsista. Os bancos de capital privado Português, criados por empresários Portugueses, sistematizavam as suas operações bancárias de crédito.
Os governos abriam oportunidades de investimento, para fomentarem o crescimento econômico do país, resultando um aumento do crédito ao consumo, o crédito á habitação e á aquisição de viaturas generalizava-se por todo o país.
Que felicidade para todos nós... Passageira ou duradoira!
A que preço? Perguntava a mim mesmo.
Uns anos mais tarde soube a resposta.