segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Décima Dose de Pílulas do Livro...

Segunda metade do mês de Setembro do ano de dois mil e três, continuávamos à procura de um espaço, até que Carla se lembrou de uma pessoa que tinha ajudado imenso o Paraíso Tropical, não só na divulgação do mesmo de todas as maneiras, quer através da imprensa escrita e falada, bem como para todas as pessoas que conhecia e levando sempre que possível os seus amigos e conhecidos que eram formadores de opinião. Essa senhora era amiga de Beto e adorava a sua culinária, principalmente a Torta de Maturì com Creme de Palmito de Coqueiro...
O seu escritório ficava na contorno junto ao Trapiche Adelaide, lá fomos... Eu, Carla e o seu irmão Betinho.

Local aprazível, com uma vista muito bonita.
Entramos no seu escritório, Rés-do-Chão, do lado esquerdo, tinha uma mesa de madeira lindíssima com um tampo de vidro, onde estava sentada uma moça, que ao ver-nos imediatamente nos indagou – bom dia, em que vos posso ser útil! Viemos falar com a Dona Licia Fábio, respondeu Carla. Sentem-se, por favor, posso-vos servir algo! Dona Licia Fábio, já vos atende.
Sentamo-nos nuns pufes brancos que existiam à direita, o gabinete de Licia ficava logo a nossa frente a uns dois metros do local onde nos encontrávamos, era separado por um vidro transparente e por uma porta de madeira, mais para dentro á direita, havia outra sala com funcionários trabalhando, notei uma grande movimentação de pessoas entrando e saindo constantemente.

Havia uma estante de madeira branca, com alguns objetos de decoração e alguns livros, chamou-me a atenção um sobre um francês “Pierre Verger” que era fotógrafo e que se tinha apaixonado pela Bahia e pela religião do “Candomblé”... Que interessante, pensei eu.

Enquanto desfolhava com muita atenção o livro, reparei que na parede estava pendurado um painel grande de cortiça, com imensas fotos de artistas de cinema, de televisão, cantores, políticos, todos com Licia. Entramos no gabinete dessa Senhora, que pela sua grandeza espiritual e de alma nos torna pequenos perto dela. A impressão que tive, foi estar perto de alguma entidade. Ser humano muito sóbrio e objetivo, não perde tempo com nada e vai direto ao assunto, sem grandes delongas. Irradia grandeza e originalidade.
Licia já sabia da minha existência, pois Beto tinha telefonado, solicitando que nos recebesse em seu gabinete. Dei-lhe dois beijos na face;
Seja bem vindo, foram as suas palavras de carinho.

Estava sentada numa poltrona longa e vermelha... Por vezes e durante as reuniões que tivemos, ao longo dos meses, encostava o seu corpo para trás e balançava levemente a poltrona quando estava mais descontraída, ou ficava numa posição mais retilínea com as mãos cruzadas sobre a sua mesa quando o assunto exigia mais concentração.
Falar de Dona Licia Fábio não é fácil pela sua imensa grandeza como mulher, como mãe, mas fundamentalmente como ser humano.
Aqui começava a segunda parte da minha história nesta terra abençoada pelos deuses.
Houve três pessoas que jamais esquecerei, pela amizade, pelo carinho e pelo respeito que sempre tiveram pela minha pessoa, independentemente das contingências e percalços de toda uma vida, vivida tão intensamente em tão pouco tempo.

A primeira foi esta grandiosa mulher, Licia Fábio.

Considerada uma das maiores “Promoters” do Brasil é sem dúvida a mais exigente e qualificada da Bahia.
O que me surpreendeu ao longo dos anos foi a sua visão ampla de negócios, alcança onde poucos conseguem alcançar, vê o que só uma minoria pode ver.
Respeitada por muitos, provoca alguma inveja em alguns, pela sua constante metamorfose mental.
Licia não é somente uma promoter ou alguém que cria e faz festas maravilhosas e selecionadas para uma elite, é muito mais do que isso...
Os seus contatos e os conhecimentos que conquistou com o seu trabalho merecido ao longo dos anos tornaram-na numa empresária de tão grande visão, que onde toca, (segundo dizem alguns) vira ouro...

Excelente articuladora é fundamentalmente uma artista do social e da sociedade... Pinta os momentos, pinta os espaços, pinta o tempo e deixa para os outros a contemplação e o usufruto das suas imensas obras artísticas...

Eu vou ajudar-vos a montar o Restaurante... E assim foi. As idéias surgiam da cabeça daquela mulher de uma forma rápida, umas atrás das outras. Tomava nota daquilo que conseguia, perguntava aquilo que não entendia e o esqueleto e a estrutura foram tomando forma.
Licia era uma conhecedora de toda a culinária do mestre, sabia tudo sobre ele. A sua visão era extremamente profissional em relação ao negócio que queríamos montar.
Sabia as limitações e as virtudes. Opinava constantemente sobre as alterações que deviam ser efetuadas.
Estávamos somente na primeira reunião.

Faltava o espaço, o resto vinha por conseqüência.

Em cima de sua mesa, havia uma agenda telefônica onde existiam todos os seus contatos, que utilizava sempre que necessário fosse e dois aparelhos de celular. Sem nada dizer, procurou na agenda um número de telefone e ligou – Estou aqui com o genro de Beto dono do Paraíso Tropical, ele é Português e casou-se com a filha Carla, eles vão montar um restaurante e estão á procura de um local, estou a ajudá-los – Quando desligou a chamada, olhou para mim, Ricardo falei agora com Reinaldo (era o proprietário da Marina de Salvador, que estava interessado em colocar alguns restaurantes de qualidade na Marina) ele vai-te receber amanhã, mas olha, vai com Beto.
No dia seguinte lá estávamos na Marina de Salvador, para uma reunião com o dono do espaço.
Não fechamos negócio, se bem me lembro o investimento era muito alto e a mensalidade também.
Licia dizia sempre que o restaurante tinha de ser no bairro do Rio Vermelho eu indagava porquê, ao que respondia que era um local de Boemia, centralizado e que estava em crescimento.
Lá íamos os três, pelas ruas do bairro batendo porta a porta e perguntando se havia alguma casa para vender ou alugar.
Procurávamos as casas com espaço suficiente e grande, mas nada de encontrar...
Ela dizia-nos constantemente, lá para dentro, lá para dentro, procurem naquelas ruas de dentro é lá que tem de ser.
Ao fim de uma semana e depois de muita sola gastar, encontramos uma casa enorme, ai de uns setecentos metros quadrados, já com área construída.
A casa ficava em frente a uma praça, abandonada cheia de capim e ervas daninha.
O que me chamou a atenção na casa é que ela ficava num alto – era a casa mãe da praça.

A praça chamava-se “Carlos Batalha” de praça, só o nome numa placa meio comida pelo tempo e uma estátua toda descuidada pela heresia de alguém.

Endereço – Rua Feira de Santana 354.

Havia uma placa colocada na área externa perto de uma linda amendoeira – Aluga-se – a casa precisava de reparos, de obras, mas isso não interessava naquele preciso momento.
O que eu queria era ligar para o telefone celular, que estava escrito na bendita placa.
Do outro lado da linha, atendeu-me um senhor simpático, mas com um sotaque estranho, chamava-se Kenichi. Boa tarde chamo-me Ricardo Alves e estou a telefonar-lhe para falarmos sobre um possível aluguer da casa na Rua Feira de Santana, estou chegando, respondeu do outro lado.
Kenichi era Japonês – daí o sotaque – e morava igualmente no Rio Vermelho, pois detinha um negócio que se chamava Lambreta Grill (onde comi deliciosas lambretas, que só ele sabia fazer).
Poucos minutos depois, chegou o nosso estimado amigo Japonês.
A casa não era dele estava alugada á sua pessoa, ele tinha um negocio que pretendia expandir e então tinha alugado a casa a um Senhor que dava pelo nome de Paulo Mota.
Tinha pago três meses de alugueis ao proprietário do imóvel, mas não tinha conseguido Alvará da Prefeitura, para a construção e reformas que eram necessárias fazer no espaço.
Por isso estava prestes a desistir de expandir o seu negócio ou então procuraria outro local, que fosse mais fácil conseguir os respectivos Alvarás.

Fiquei animado com a perspectiva de poder ficar com a casa, era um sonho que perseguíamos há algum tempo e parecia que as insistências de Licia estavam certas... Era ali mesmo, como sempre disse a nossa benfeitora.
Prontamente Kenichi, forneceu-me os telefones de Paulo Mota (que amigo Paulo Mota foi até ao ultimo minuto, sempre com compreensão e respeito pela minha pessoa, bem haja).

Tínhamos conseguido...
Fiz uma ligação para Licia contando o sucedido, perguntei-lhe se ela estaria disponível para ir olhar a casa, prontamente disse que sim, então combinei com o portador das chaves Kenichi, para o dia seguinte.

Assim fizemos, pela manhã fui buscar Licia com Carla e a levamos até o imóvel.
O aspecto era de abandono, folhas secas da Amendoeira espalhadas por toda a área externa, o gradeamento que circundava o espaço estava enferrujado, as portas e janelas completamente estragadas, o telhado necessitava de ser substituído, o passeio em frente e na lateral todo levantado (calçada Portuguesa), enfim isto se via a olho visto, o resto era mais complexo, pois necessitava de alguém especializado que pudesse opinar.
Entramos pela porta da frente, que dava diretamente para dentro da casa, havia outra entrada pela lateral, uma que acessava o jardim e a última dava acesso á garagem e ficava na parte de baixo em frente á praça.
Na entrada tínhamos um salão de chão de madeira, á esquerda havia uma porta, que aberta acessávamos á varanda e a toda a área externa, bem como á parte de baixo e á garagem.
Em frente ao salão descíamos umas escadas e estávamos supostamente nuns cômodos que seriam os quartos.