Como a culinária do restaurante é toda artesanal e feita na hora, (é super exigente com os produtos que adquire) torna-se um pouco demorada, ás vezes bastante demorada, o que provocava situações complexas que Beto tentava resolver a todo custo, principalmente quando o restaurante enchia.
Os atrasos eram freqüentes e era preciso um jogo de cintura, para que os clientes ficassem calmos e não entrassem em situação de desespero. A mão de obra, infelizmente também deixava a desejar.
Garçons pouco preparados ou nada preparados, os ajudantes de cozinha sem qualificação aparente, quem segurava o barco, era a companheira de Beto responsável pela cozinha na ausência do mestre...
Bem ele, tentava estar em todo o lado, mas era impossível e estas situações repetiam-se dia a dia, o que originava um stress continuo, naquele ser humano.
Comecei a notar que o mestre do barco, tinha muitas dificuldades para levar a bom porto toda a tripulação. Era sem dúvida, uma tarefa diária extremamente complicada e difícil.
Ás vezes sentava-me com ele e comíamos uma deliciosa carne do sol com pirão de aipim, enquanto ele reclamava da vida e da falta de apoio das pessoas dos funcionários que o rodeavam.
Falava e coordenava todos que apareciam á sua frente, era o rapaz que tomava conta dos galos de briga, o moço que não tinha comprado a ração certa, para a sua paixão – seu hobie – as polpas que estavam mal despolpadas, ou porque tinham azedado o camarão que estava pequeno e não tinha qualidade nenhuma, a lagosta tinha sido comprada muito cara, o maturí (castanha de caju verde) tinha de ser comprado até ao próximo final de semana, em grande quantidade, para ser estocado para o ano inteiro.
Como mestre e capitão do navio, chamava para si toda a direção do negócio, deixando pouca abertura para o seu filho e companheira tomarem algumas decisões, que o levariam a ficar um pouco mais tranqüilo e á vontade. Esta necessidade de controlar todo o processo criativo e gerencial deve-se ao fato de ser uma pessoa bastante perfeccionista... A tentativa de chegar à perfeição levou-o a criar e a conceber a mais pura culinária experimental de toda a Bahia – “La Nouvelle Cuisine Baiana”
O criador da nova cozinha experimental Baiana tinha um hobie (os galos de briga) uma paixão (a natureza) e um vício (o cigarro).
É impressionante vê-lo fumar, principalmente quando está nervoso ou estressado.
Fumava um cigarro atrás do outro, enquanto me contava os problemas relativos ao seu negócio.
A criação de todo esse processo, foi feito naturalmente e espontaneamente, sem nunca pensar em tornar-se num dos maiores chefes de cozinha da Bahia e conseqüentemente do Brasil.
Toda a sua culinária foi gerada ao longo dos anos, intuitivamente.
Nunca imaginou que o seu restaurante fosse um negocio como outro qualquer e que para além de criar e recriar constantemente a sua culinária era um empresário, que tinha na mão algo de extraordinário que precisava de uma gestão cuidada e profissional. Todos os produtos utilizados no restaurante e na sua gastronomia eram adquiridos, por vezes em locais distantes, pela raridade dos mesmos e a dificuldade em consegui-los, o que tornava a sua culinária bastante onerosa.
O mestre sabia disso, mas eram os produtos raros que faziam a diferença na sua culinária.
O nome do Paraíso Tropical começou a ficar conhecido – como ele dizia – boca a boca.
O criador da culinária tinha a noção, da dificuldade em manter sistematicamente, durante o ano inteiro a mesma freqüência de clientela, que tinha nos meses de verão de Outubro a Março, logo quando chegava ao inverno, acumulavam-se algumas questões para resolver e aí começavam as dores de cabeça.
O movimento reduzia drasticamente, o local – Cabula – fora do centro da cidade, as noites de inverno tornavam-se solitárias e faziam os clientes ausentarem-se por longo tempo.
O capitão do barco tentava arranjar alternativas viáveis, mas a situação por vezes se complicava bastante e isso fazia com que o mesmo, não soubesse como resolver os problemas mais prementes.
Mesmo assim, a sua bondade prevalecia sempre.
Estava sempre disposto a ajudar alguém, que lhe pedia uma participação de comida em alguma festa ou evento, ou em dar quantidades de frutas apreciáveis, que ele mesmo tinha comprado para uso do seu restaurante... Notava que por vezes havia clientes, que quase nada consumiam de comida e que no fim levavam um ou dois sacos de frutas, para além da bandeja que era cortesia do restaurante.
Beto não sabia dizer não a ninguém, que lhe solicitasse ou pedisse algo.
Fazia amigos com extrema rapidez e os “amigos” sabendo da sua exclusiva bondade, tentavam aproveitar ao máximo, a mesma... Fazia parcerias com jornais locais, revistas, empresas, através de permutas de refeições no seu restaurante. Por vezes negócios pouco lucrativos para si e para a sua excelente gastronomia.
Neste meu curto tempo de permanência em Salvador, apercebi-me de várias questões relacionadas ao comando do negócio e das tentativas do mestre em tentar resolvê-las.
Fui criando respeito, carinho e amizade por esse homem, lutador e mentor de toda uma operacionalidade, que ele próprio não controlava na totalidade, já que sem se dar conta, o negócio era maior do que ele tinha imaginado. Tinha concebido um mundo de gastronomia, que rapidamente se multiplicava.
Mas faltava algo... E eu nunca descobri o quê. Pensei um dia ter descoberto, mas estava redondamente enganado. Andei lá perto, muito perto mesmo.