Sexta-Feira Santa voltei a escrever.
Hoje, talvez pela necessidade espontânea de expressar aquilo que dentro de nós, de mim, de tudo o que me rodeia. Tenho falado da minha pessoa, em espaços temporais muitos grandes, preciso viver antes de escrever. O retrato de toda a minha passagem baiana tem de ser interiorizada e refletida para poder expressá-la e criar esta vontade verdadeira.
“Há sempre alguém que nos diz tem cuidado, há sempre alguém que nos faz pensar um pouco, há sempre alguém que nos faz falta...”
Nas nossas viagens pelo redor de Porto Seguro, fomos a Eunápolis, cidade pequena, onde comprei o meu carro, que me transportou, para lugares inimagináveis e impensáveis.
Tínhamos alugado uma viatura em Arraial de Ajuda, mas o custo era elevado, então talvez para evitar extras, adquirimos o carro.
Dos momentos preciosos em Arraial com os nossos amigos alemães, fomos para Itararé – Vila de Surfistas em plena mata atlântica – praias e locais cobertos por vegetação espessa e verde. Encontramos um pequeno resort/tipo pousada hotel, onde fizemos amizade com o proprietário; Paulista dos seus trinta anos, empresário que investiu com o seu pai (residente em São Paulo) alguns recursos, na divulgação do seu negócio.
Pessoalmente, já tinha estado em Itararé em mil novecentos e noventa e quatro, agora era tudo diferente – mais civilização, mas as ruas ainda são de terra batida e a população tentava a todo o custo, manter as tradições locais – de não à invasão exagerada e ambígua.
Fizemos alguns passeios diferenciados, apesar de eu não ser adepto de desportos muito radicais, ainda andamos de caiaque pelos afluentes e descemos algumas correntezas, para além de termos conhecido Maraú –
Alugamos um quadriciclo e com um guia, passamos o dia todo, procurando, buscando, espaços entre os já existentes de terra batida, de lama.
Acabamos no meio de umas dunas e o nosso olhar só alcançava – beleza.
Província de Maraú – Barra Grande – um dos paraísos desta terra santa, que se chama Bahia. (uns anos mais tarde, tive a satisfação de desfrutar daquele espaço)
Paulo o dono da pousada/hotel, passava sempre que podia, algum tempo conosco mostrando os arredores de Itararé.
Programávamos a nossa ida para o próximo destino.
Um local que eu recomendo, a qualquer ser humano, que goste de viver neste mundo cheio de coisas belas e de belas coisas.
Como é bom conhecer o desconhecido, amar o belo e fazer do que é menos bonito, lindo...
Saber sentir os sentimentos, que os nossos sentidos nos dão a cada descoberta momentânea de vida...
- Chapada Diamantina.
Quando Deus criou o mundo, procurou fazer daquele cantinho da Bahia, o seu local de descanso e de meditação.
Nunca mais me esquecerei daquela viagem. Saímos de Itararé, cedo por volta das seis e trinta da manhã, procurei saber o melhor caminho, indagando, tomando notas, para chegar á Chapada Diamantina.
Diga-se de passagem, que a experiência da viagem na estrada, foi traumatizante: As estradas péssimas, cheias de buracos... Desculpem, crateras, o meu carro novinho em folha, caia constantemente em buracos, buracões – só me apetecia sair do carro e colocá-lo sobre as minhas costas, para os pneus não furarem – e furaram... Prejuízo – dois pneus estragados foi o custo da viagem.
Chegamos pela noite cerrada, por volta das dez horas, estava exausto, já não raciocinava de cansaço, tinha de ter uma atenção redobrada ao longo de todo o trajeto (por vezes demoramos duas horas para fazer trinta quilômetros).
Chateado, dirigi-me á prefeitura de Lençóis no dia seguinte, queria explanar a minha indignação, por ter viajado durante horas a fio, em estradas, que mais pareciam crateras lunares.
A região é uma zona turística, que devia dar condições aos visitantes de acessibilidade...
Não consegui falar com ninguém de direito, a quem pudesse mostrar a minha opinião.
Reclamações á parte, o dia prometia.
Contratamos um guia turístico... Diogo Santo era o seu nome.
A chapada é um lugar mágico e místico – sabem aqueles espaços que nós criamos nas nossas mentes, que presumimos existirem um dia, algures, para além da nossa imaginação... Sabemos no nosso intimo, que é possível existir.
A cidade mais importante da região é Lençóis – toda a estrutura econômica vive á base de um turismo ecológico/ecoturismo.
Durante muitos anos, se fez a extração desenfreada de pedras preciosas, hoje é proibido, mas ainda assim, encontramos sempre alguém, procurando no fundo das entranhas desta terra, o sustento do dia a dia.
Terra de garimpeiros que comeram “o pão que o diabo amassou”.
Hoje, ontem, talvez amanhã encontremos o momento o passado e o futuro unidos, na tentativa de recriar este Brasil – Brasileiro, de conquistas e desenganos, de lutas, derrotas e vitórias, mas acima de tudo, de muitas virtudes... E honras.
Diogo Santo, pessoa humilde, gentil, disponível – sempre – Santo de nome e não só – de caráter e bondade. Em duas semanas, conhecemos tudo o que era possível conhecer, Santo se desdobrava para nos agradar e mostrar toda a informação que guardava com ele, desde os treze anos, idade que começou a levar os turistas que visitavam a Chapada Diamantina.
Conhecemos montes, vales, cachoeiras, onde tomávamos banhos ininterruptos, o morro do pai Inácio, rios, grutas e grutas... Natureza.
Paz, descoberta constante, a tranqüilidade, o silêncio – introspecção – meditação.
Vale do Capão – Onde Deus descansava todo o sétimo dia...
Para irmos até á cachoeira da fumaça, andam-se umas duas horas, subindo, subindo, até se chegar ao topo de uma montanha.
Exaustos, chega quem consegue subir, sôfregos, respirando com certa dificuldade...
Recuperado, olho para baixo e tenho uma visão indescritível – vejo um vale imenso, cheio de verde e somente verde... Onde estou? Ricardo lá em baixo é o Vale do Capão – responde Santo.
As lágrimas vieram-me aos olhos, pelo momento de alegria e paz que vivenciava. Fiquei uns minutos em silêncio... Abracei Carla e ficamos longos instantes contemplando talvez Shangrilá – onde o ser humano nunca envelhece e fica eternamente jovem de espírito e de mente.
O momento que nunca acaba existe sem dúvida, mais que não seja nas nossas mentes, enquanto a nossa memória não se apaga...