Prestei atenção na varanda, já que havia uma parede pintada de branco e por cima um candelabro de ferro, que vim mais tarde, a saber, tinha sido criado, pelo grande artista baiano Mário Cravo Jr.
A nossa benfeitora durante toda a visita á casa, pouco se manifestou.
Olhava com muita atenção, tudo o que se lhe deparava e só abanava positivamente com a cabeça aos comentários que eu ou Carla fazíamos.
A casa ainda estava alugada a Kenichi, ele é que tinha as chaves de todos os cômodos, por isso acompanhou-nos durante a visita.
Teria de levar Licia ao escritório, pois os seus compromissos eram inadiáveis.
Acomodando-se á frente e assim que coloquei a marcha e comecei a deslocar-me com a viatura, interrompeu o silêncio.
Gostei do que vi – muito boa localização, ampla, era isto – disse, sorrindo para mim e demonstrando certo bem estar e realização. Agora só falta falarem com o proprietário, para saberem o preço do imóvel – como se chama? Indagou, chama-se Paulo Mota, respondi prontamente. Franziu os olhos, como se estivesse a pensar ou a tentar descobrir algo. A possibilidade de conhecer o dono do imóvel facilitaria o negócio.
Deslocamo-nos ao escritório de Paulo Mota na zona do Comercio.
Tem um negócio de família muito prospero que era do Senhor seu pai e que agora geria com um irmão.
A empresa era distribuidora de laticínios em toda a Bahia. Paulo é um individuo extremamente educado e correto que preserva aquilo que o ser humano tem de mais importante: a palavra e a honra.
Não foi difícil fazer qualquer negócio com ele, pois facilmente nos tornamos amigos.
Vender o imóvel não era sua idéia, tinha-o comprado como forma de investimento em longo prazo.
Sendo homem de negócios há já alguns anos, sabia que a zona do Rio Vermelho, onde ficava o seu imóvel, valorizava dia a dia e que a procura por casas na região é muito superior á oferta.
Só venderia se aparecesse uma proposta irrecusável.
A solução seria o aluguer. Acordamos o preço, mediante um contrato de quatro anos, com renovações automáticas. Paulo sabia que o seu imóvel ia ser beneficiado, não só estruturalmente devido ás obras que seriam efetuadas, bem como a valorização econômica do mesmo.
Pôs-me à vontade dizendo: o seu sucesso é o meu sucesso e enquanto você quiser ficar com o imóvel alugado, ele é seu.
Ainda havia a questão das obras e o tempo que demoraria, assim como o problemão do Alvará da Prefeitura/Sucom – soubemos que dificuldades existiriam para a autorização da abertura de um Restaurante naquele espaço, não só pelo o que tinha acontecido com o dono do Lambreta Grill, mas também porque se dizia que ali não podia haver qualquer casa comercial, por ser zona residencial.
Então solicitei um prazo de três meses de carência, que seria o tempo previsto por nós para a reforma, ao que prontamente acedeu.
Agora começava a fase mais trabalhosa, desgastante, exaustiva de todo o processo que se tinha iniciado há algum tempo atrás.
Obras, reformas, é igual a – chatices... Foram tantas.
Tudo já estava em movimento.
O universo conspirava a nosso favor, com a ajuda de algumas estimadas e sempre dedicadas pessoas, Licia era uma delas, talvez a principal naquele momento, sem a sua ajuda teria sido impossível formatar aquilo que formatamos e fazer aquilo que fizemos.
Claro que teríamos criado um restaurante, mas nunca “O Restaurante”.
Tardes e tardes passei sentado em frente á Senhora Dona Licia Fábio, no seu gabinete ouvindo os seus conselhos, as suas opiniões e montando um negócio que viria a tornar-se um sucesso.
Sentada naquela poltrona vermelha, comandava toda a operacionalidade que estava a ser criada, orientava-me, conduzia e sugeria-me situações.
Aquela agenda em cima da mesa era mágica.
Desde o decorador, passando pela contadora, representantes de marcas de bebidas, patrocinadores, tudo fazia para eu conhecesse os meandros do negócio e as reuniões fossem conclusivas.
Discava um número e aparecia um possível interessado no projeto. O resto era comigo.
Vai falar com Ricardo Alves, genro e sócio de Beto que está abrindo uma filial do restaurante Paraíso Tropical, aquele do Cabula – e do outro lado da linha lá estava alguém.
As reuniões sucediam-se e as negociações também.
Ao mesmo tempo, Licia nos apresentou um individuo que era muito original nos seus projetos e que tinha criado alguns espaços bastante agradáveis em Salvador.
Tínhamos conhecido outros arquitetos de nomeada, mas optamos pelo mais novo e que nos dava também certo conforto em termos de proposta apresentada.
Acertamos a questão financeira, com a pessoa contratada e as questões contratuais e de tempo que a reforma ia demorar.
Apresentou-nos um projeto juntamente com a questão decorativa. Discutimos ao longo dos dias, algumas alterações e quantificações possíveis, para que tudo desse certo.
O prazo acordado com o responsável de todo o projeto para que as obras acabassem e o restaurante fosse inaugurado, era a semana do carnaval do ano de dois mil e quatro.
A nossa idéia, era inaugurar em pleno verão, para aproveitarmos o movimento de turistas que acontece na cidade de Salvador e assim começarmos a viabilizar a verba investida.
Estávamos em Outubro de dois mil e três a meio do mês, precisamente dia dezanove, a reforma começava.
Tínhamos três meses e meio para montar toda uma estrutura, desde a colher de chá ao chefe de cozinha.
Desdobrávamo-nos em várias funções e ao mesmo tempo entrelaçávamos os vários fios, que originariam o produto final.
Idéias muitas...
O mestre tinha imensas revistas, cortes de jornais com reportagens sobre a sua gastronomia amontoadas e guardadas, como estávamos constantemente em reuniões, com parceiros, patrocinadores, fornecedores, seria boa política, criarmos um book, onde reuníssemos toda a informação existente durante anos, sobre o Restaurante. E assim fizemos.
Reunimos toda a informação existente e selecionamos aquilo que nos parecia de melhor qualidade e objetividade.
Fizemos dois books e começamos a distribuir um menor com as melhores reportagens de jornais e revistas e outro maior com fotos quase em tamanho real dos prêmios existentes, colocando em destaque a “Commanderie de Cordon Blue de France”
A partir daquele momento e aos poucos, começava a criar e a vender a imagem do “Chef Beto” – O grande inovador da culinária baiana e da cozinha experimental.
O Paraíso Tropical do Cabula não tinha uma logomarca definida, por isso era primordial pensarmos na sua criação.
Problema fundamental que logomarca! A idéia subjacente ao Cabula e á sua culinária, tinha relação direta com a natureza, frutas exóticas e uma chácara. Pedimos a três agências de publicidade que criasse baseado nesse conceito uma logomarca, que seria utilizada nos dois Restaurantes.
Havia ainda outro conceito que era controverso e discutido tanto por nós como pelos publicitários.
Os Galos, paixão de Beto ao longo dos anos e que existiam ao seu redor diariamente.
De uma simples Rinha de Galos a um dos restaurantes mais famosos da Bahia.
O que fazer e como misturar estes conceitos!
Depois de muita discussão proveitosa, a decisão estava tomada.
O Galo seria a logomarca de todo o nosso projeto, a agencia contratada ficou de estilizar melhor a logo, alterando um pouco a tonalidade das cores.
O consenso foi generalizado, mas a grande defensora da idéia foi Dona Licia Fábio que achava o Galo, a cara do Paraíso.
A reforma do novo Paraíso avançava com alguns atrasos (nada que não se pudesse recuperar) a empresa do Rio Vermelho já tinha sido criada em nome de Carla, tínhamos entregado a documentação para obtenção do alvará junto á Prefeitura/Sucom, solicitamos ao Senac-Salvador nomes de possíveis colaboradores e através da nossa amiga e contadora Vitória Souto contratamos uma equipe de psicólogas, para analisarem os currículos e fazerem o recrutamento de todo o pessoal do novo restaurante.
Política da boa vizinhança.
Tínhamos um vizinho um senhor de idade avançada que aparecia de quando em quando á porta da casa, indagando com certa severidade os trabalhadores que estavam na reforma, sobre o que iria acontecer naquele espaço. Parecia o auto nomeado proprietário da Rua Feira de Santana.
Outra questão a ser resolvida e não seria nada fácil, mas nada que uma boa conversa sincera e amigável não resolvesse. E tivemos muitas.