Próximo o regresso a Salvador, o tempo urge e quando nos damos conta, ultrapassamos às vezes os nossos limites.
Santo, convidou-nos para almoçarmos em casa, que satisfação.
A senhora dele, fez uma feijoada sagrada – bendita feijoada, naquele fogão á lenha em plena tarde domingueira.
Pela manhã daquela Segunda-Feira, fomos para a estrada no sentido da capital baiana.
Tinha a noção que tudo ia mudar, ao volante refletia sobre o que me tinha acontecido e o que eventualmente poderia acontecer em termos de futuro.
O que iria fazer! Pensava talvez em montar um negócio. O quê! Não sabia; nem imaginava nada...
O carro ia deslizando ao longo da estrada, passando por fazendas, riachos e sítios, olhava e tentava memorizar a paisagem através do vidro meio fusco.
Alugamos um apartamento num flat, décimo primeiro andar, no corredor da vitória.
Ficamos por lá uns três meses, até irmos para o nosso apartamento, no bairro da canela.
Ao longo dos meses apareceram-me várias propostas de investimentos, algumas interessantes, outras nem por isso. Eu tinha em mente, montar uma pousada, algures pelo litoral norte e poder tranquilamente usufruir de paz e calma. Sonhos...! Quem não os tem. Sonhar é uma constante da vida.
Carla é filha mais velha de Beto e Célia, que faleceu quando Carla tinha dezanove anos de idade e deixou um legado de amor e carinho para toda a família. O carinho e amor que Carla transporta no seu coração, advêm em parte da sua querida e amada mãe.
Conheci Beto, na sua chácara lá pelos lados do Cabula (um bairro popular de Salvador), Beto foi criado com os seus pais e irmãos (família super carinhosa e amiga do amigo), em São Paulo e na fazenda em Bom Jesus – Saubara – a seguir a Santo Amaro – terra de Dona Cano, Caetano e Bethânia. A sua paixão pela terra, pela natureza, pelas arvores, pelos frutos é inquestionável.
Adora subir as árvores (como uma criança) e retirar Seriguela, Jambo, Manga, Cupuaçu, Bacupari e outros tantos frutos exóticos, que só ele conhece e oferece aos amigos e visitantes.
Conheci-o assim mesmo... Em cima de um pé de Jambo, no seu terreno no Cabula.
Cultiva dezenas de árvores de frutos e é um apaixonado pela culinária natural sem agro-tóxicos...
Que personagem!
Junto ao terreno, tem um espaço que é o seu restaurante, um dos mais famosos da Bahia e do Brasil.
O espaço do restaurante era muito simples, mesas e cadeiras de plástico, mas a culinária criada e inventada por Beto é excepcional.
Culinária Baiana é sem dúvida o grande inovador da cozinha Baiana.
Se há alguém que reinventou a cozinha Baiana, foi esse homem simples, e grande contador de histórias.
Não utiliza o óleo de dendê saturado nas moquecas, criou toda a cozinha experimental que hoje se faz na Bahia, mistura frutos e frutas, utiliza o bíri-bíri (em vez do limão) maturí (castanha de caju-verde), é um estudioso de toda a culinária do recôncavo baiano.
A sua cozinha, é leve, experimental, natural e saborosa, os seus sucos são autênticos sorvetes (frozens), as suas roskas (o nome que se dá à vodka com fruta) são néctares – só provando (as várias variedades de frutas são despolpadas à mão e guardadas, para depois serem utilizadas).
Para além da culinária, a sua outra paixão são os galos de briga – Homem integro e verdadeiro, nunca escondeu as suas particularidades nem paixões, doa a quem doer... Beto é o que é, sem máscaras, nem subterfúgios.
Entrei no restaurante, chão cimentado, nas paredes ao longo da entrada, molduras de alguns prêmios; chamou-me a atenção, “Le Commanderie des Cordons Bleus de France” em 2003.
Espaço simples, mas aconchegante, Beto estava no pomar, onde gosta de ficar. Meu pai chamou Carla – lá estava aquele homem em cima de um pé de Jambo, escolhendo a dedo, as frutas para serem colocadas na bandeja, que no final das refeições oferece aos clientes e amigos. Então Português! Na Bahia... Sim, respondi um pouco acanhado – vim para ficar, tentar algo – e já sabes o que vais fazer aqui? Que ocupação? Ainda não – olhando para o alto e verificando a sua agilidade em cima do tronco da árvore.
Desceu das alturas e veio-me dar um abraço.
Começamos a andar e a dirigimo-nos para o restaurante, logo começou a contar uma piada de Português. Beto tem uma peculiaridade muito especial, é um grande contador de histórias, adora fazer os outros rirem... Grande comunicador com uma capacidade de extroversão imensa.
Já sabia que situações idênticas iriam acontecer, pois da mesma forma que em Portugal, nós contamos piadas dos Alentejanos (região ao sul de Portugal – Alentejo), aqui se contam imensas piadas de Portugueses.
Estava preparado para o fato, já que uns dias antes de vir, fui calmamente á internet e procurei piadas sobre os Alentejanos e transformei-as uma a uma, em piadas sobre os Baianos.
A calma e a lentidão que o Alentejano tem de fama em Portugal, o baiano tem-na aqui no Brasil e eu sabia disso. Quando terminou de contar a história sobre os Portugueses, deu aquela gargalhada, que lhe é bastante peculiar e tentou iniciar uma série de piadas – ri-me com vontade e disse – agora é a minha vez – o meu repertório, não era tão vasto, nem qualificado quanto o de Beto, mas dava para brincar e nos divertirmos por alguns minutos. Assim fiz, puxei pela memória (nunca fui grande coisa a contar piadas), lembrei-me de uma bastante interessante e soltei-a – nessa altura já a companheira de Beto e alguns funcionários, se aproximavam de nós, pela curiosidade de conhecerem o marido da filha do patrão, bem como ouvirem de perto, alguém que falava a mesma língua, mas que tinha um sotaque bastante diferente e carregado.
A nossa relação, desde o início sempre foi à melhor possível.
Comecei a freqüentar com alguma assiduidade o restaurante de Beto (almoçava e jantava algumas vezes) e onde Carla tinha trabalhado com o pai, antes de ir para Portugal.
O Paraíso Tropical, assim se chamava o restaurante, tinha começado anos antes, com Célia e Beto, (era um restaurante familiar) que esporadicamente fazia comida para os amigos que se reuniam todos os dias.
O espaço era uma simples rinha de galos, que se tornou com a dedicação e trabalho num dos restaurantes mais admirados da Bahia e do Brasil.
As famosas receitas exclusivas, (Preguari-tipo de molusco de casca mole, Tarioba-espécie de mexilhão, Siri mole), os sucos naturais, as Moquecas de Camarão, Lagosta e Polvo, a Torta de Maturí com Creme de Palmito de Coqueiro, a Galinha ao Molho Pardo, o Dandá de Camarão e as famosas Travessas de Frutas como Cortesia, (com Abis-espécie de pinha, Cagaita-fruta típica do cerrado de tamanho pequeno e agridoce, Cherimólia/Tamoia-tipos de pinhas do peru, Ingá-fruta comprida como fava, com caroços recobertos por polpa esponjosa e tantas outras), eram algumas das tentações que Beto tinha criado.
Notava a facilidade com que ele chegava ás mesas e iniciava conversas esporádicas e rápidas com os clientes, alguns antigos outros recentes.
Todos o adoravam e o respeitavam, pela sua espontaneidade e comunicabilidade.
Perguntava pela comida, se estava tudo bem e de mesa em mesa, ia contando “causos”: que tinha vinte e dois filhos, de várias mulheres, que o apelido dele era “Beto pau puro” porque de dia ficava na agricultura e á noite na criatura, perguntava se as pessoas conheciam o Ingá Rolão, (e mostrava uma fruta comprida de formato fálico), que o Genro dele, Ricardo, era Alentejano e Português... Histórias e mais histórias, que encantavam os clientes e que os faziam sorrir.
Por perto, ninguém ficava triste... Por vezes as pessoas soltavam gargalhadas...Descontração Total.