sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sétima Dose de Pílulas do Livro...

Próximo o regresso a Salvador, o tempo urge e quando nos damos conta, ultrapassamos às vezes os nossos limites.
Santo, convidou-nos para almoçarmos em casa, que satisfação.
A senhora dele, fez uma feijoada sagrada – bendita feijoada, naquele fogão á lenha em plena tarde domingueira.

Pela manhã daquela Segunda-Feira, fomos para a estrada no sentido da capital baiana.
Tinha a noção que tudo ia mudar, ao volante refletia sobre o que me tinha acontecido e o que eventualmente poderia acontecer em termos de futuro.
O que iria fazer! Pensava talvez em montar um negócio. O quê! Não sabia; nem imaginava nada...
O carro ia deslizando ao longo da estrada, passando por fazendas, riachos e sítios, olhava e tentava memorizar a paisagem através do vidro meio fusco.
Alugamos um apartamento num flat, décimo primeiro andar, no corredor da vitória.
Ficamos por lá uns três meses, até irmos para o nosso apartamento, no bairro da canela.
Ao longo dos meses apareceram-me várias propostas de investimentos, algumas interessantes, outras nem por isso. Eu tinha em mente, montar uma pousada, algures pelo litoral norte e poder tranquilamente usufruir de paz e calma. Sonhos...! Quem não os tem. Sonhar é uma constante da vida.

Carla é filha mais velha de Beto e Célia, que faleceu quando Carla tinha dezanove anos de idade e deixou um legado de amor e carinho para toda a família. O carinho e amor que Carla transporta no seu coração, advêm em parte da sua querida e amada mãe.
Conheci Beto, na sua chácara lá pelos lados do Cabula (um bairro popular de Salvador), Beto foi criado com os seus pais e irmãos (família super carinhosa e amiga do amigo), em São Paulo e na fazenda em Bom Jesus – Saubara – a seguir a Santo Amaro – terra de Dona Cano, Caetano e Bethânia. A sua paixão pela terra, pela natureza, pelas arvores, pelos frutos é inquestionável.
Adora subir as árvores (como uma criança) e retirar Seriguela, Jambo, Manga, Cupuaçu, Bacupari e outros tantos frutos exóticos, que só ele conhece e oferece aos amigos e visitantes.
Conheci-o assim mesmo... Em cima de um pé de Jambo, no seu terreno no Cabula.
Cultiva dezenas de árvores de frutos e é um apaixonado pela culinária natural sem agro-tóxicos...
Que personagem!
Junto ao terreno, tem um espaço que é o seu restaurante, um dos mais famosos da Bahia e do Brasil.
O espaço do restaurante era muito simples, mesas e cadeiras de plástico, mas a culinária criada e inventada por Beto é excepcional.
Culinária Baiana é sem dúvida o grande inovador da cozinha Baiana.
Se há alguém que reinventou a cozinha Baiana, foi esse homem simples, e grande contador de histórias.
Não utiliza o óleo de dendê saturado nas moquecas, criou toda a cozinha experimental que hoje se faz na Bahia, mistura frutos e frutas, utiliza o bíri-bíri (em vez do limão) maturí (castanha de caju-verde), é um estudioso de toda a culinária do recôncavo baiano.
A sua cozinha, é leve, experimental, natural e saborosa, os seus sucos são autênticos sorvetes (frozens), as suas roskas (o nome que se dá à vodka com fruta) são néctares – só provando (as várias variedades de frutas são despolpadas à mão e guardadas, para depois serem utilizadas).
Para além da culinária, a sua outra paixão são os galos de briga – Homem integro e verdadeiro, nunca escondeu as suas particularidades nem paixões, doa a quem doer... Beto é o que é, sem máscaras, nem subterfúgios.
Entrei no restaurante, chão cimentado, nas paredes ao longo da entrada, molduras de alguns prêmios; chamou-me a atenção, “Le Commanderie des Cordons Bleus de France” em 2003.
Espaço simples, mas aconchegante, Beto estava no pomar, onde gosta de ficar. Meu pai chamou Carla – lá estava aquele homem em cima de um pé de Jambo, escolhendo a dedo, as frutas para serem colocadas na bandeja, que no final das refeições oferece aos clientes e amigos. Então Português! Na Bahia... Sim, respondi um pouco acanhado – vim para ficar, tentar algo – e já sabes o que vais fazer aqui? Que ocupação? Ainda não – olhando para o alto e verificando a sua agilidade em cima do tronco da árvore.
Desceu das alturas e veio-me dar um abraço.
Começamos a andar e a dirigimo-nos para o restaurante, logo começou a contar uma piada de Português. Beto tem uma peculiaridade muito especial, é um grande contador de histórias, adora fazer os outros rirem... Grande comunicador com uma capacidade de extroversão imensa.
Já sabia que situações idênticas iriam acontecer, pois da mesma forma que em Portugal, nós contamos piadas dos Alentejanos (região ao sul de Portugal – Alentejo), aqui se contam imensas piadas de Portugueses.
Estava preparado para o fato, já que uns dias antes de vir, fui calmamente á internet e procurei piadas sobre os Alentejanos e transformei-as uma a uma, em piadas sobre os Baianos.
A calma e a lentidão que o Alentejano tem de fama em Portugal, o baiano tem-na aqui no Brasil e eu sabia disso. Quando terminou de contar a história sobre os Portugueses, deu aquela gargalhada, que lhe é bastante peculiar e tentou iniciar uma série de piadas – ri-me com vontade e disse – agora é a minha vez – o meu repertório, não era tão vasto, nem qualificado quanto o de Beto, mas dava para brincar e nos divertirmos por alguns minutos. Assim fiz, puxei pela memória (nunca fui grande coisa a contar piadas), lembrei-me de uma bastante interessante e soltei-a – nessa altura já a companheira de Beto e alguns funcionários, se aproximavam de nós, pela curiosidade de conhecerem o marido da filha do patrão, bem como ouvirem de perto, alguém que falava a mesma língua, mas que tinha um sotaque bastante diferente e carregado.
A nossa relação, desde o início sempre foi à melhor possível.

Comecei a freqüentar com alguma assiduidade o restaurante de Beto (almoçava e jantava algumas vezes) e onde Carla tinha trabalhado com o pai, antes de ir para Portugal.
O Paraíso Tropical, assim se chamava o restaurante, tinha começado anos antes, com Célia e Beto, (era um restaurante familiar) que esporadicamente fazia comida para os amigos que se reuniam todos os dias.
O espaço era uma simples rinha de galos, que se tornou com a dedicação e trabalho num dos restaurantes mais admirados da Bahia e do Brasil. 

As famosas receitas exclusivas, (Preguari-tipo de molusco de casca mole, Tarioba-espécie de mexilhão, Siri mole), os sucos naturais, as Moquecas de Camarão, Lagosta e Polvo, a Torta de Maturí com Creme de Palmito de Coqueiro, a Galinha ao Molho Pardo, o Dandá de Camarão e as famosas Travessas de Frutas como Cortesia, (com Abis-espécie de pinha, Cagaita-fruta típica do cerrado de tamanho pequeno e agridoce, Cherimólia/Tamoia-tipos de pinhas do peru, Ingá-fruta comprida como fava, com caroços recobertos por polpa esponjosa e tantas outras), eram algumas das tentações que Beto tinha criado.

Notava a facilidade com que ele chegava ás mesas e iniciava conversas esporádicas e rápidas com os clientes, alguns antigos outros recentes.
Todos o adoravam e o respeitavam, pela sua espontaneidade e comunicabilidade.
Perguntava pela comida, se estava tudo bem e de mesa em mesa, ia contando “causos”: que tinha vinte e dois filhos, de várias mulheres, que o apelido dele era “Beto pau puro” porque de dia ficava na agricultura e á noite na criatura, perguntava se as pessoas conheciam o Ingá Rolão, (e mostrava uma fruta comprida de formato fálico), que o Genro dele, Ricardo, era Alentejano e Português... Histórias e mais histórias, que encantavam os clientes e que os faziam sorrir.
Por perto, ninguém ficava triste... Por vezes as pessoas soltavam gargalhadas...Descontração Total. 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sexta Dose de Pílulas do Livro...

Sexta-Feira Santa voltei a escrever.

Hoje, talvez pela necessidade espontânea de expressar aquilo que dentro de nós, de mim, de tudo o que me rodeia. Tenho falado da minha pessoa, em espaços temporais muitos grandes, preciso viver antes de escrever. O retrato de toda a minha passagem baiana tem de ser interiorizada e refletida para poder expressá-la e criar esta vontade verdadeira.

“Há sempre alguém que nos diz tem cuidado, há sempre alguém que nos faz pensar um pouco, há sempre alguém que nos faz falta...”

Nas nossas viagens pelo redor de Porto Seguro, fomos a Eunápolis, cidade pequena, onde comprei o meu carro, que me transportou, para lugares inimagináveis e impensáveis.
Tínhamos alugado uma viatura em Arraial de Ajuda, mas o custo era elevado, então talvez para evitar extras, adquirimos o carro.
Dos momentos preciosos em Arraial com os nossos amigos alemães, fomos para Itararé – Vila de Surfistas em plena mata atlântica – praias e locais cobertos por vegetação espessa e verde. Encontramos um pequeno resort/tipo pousada hotel, onde fizemos amizade com o proprietário; Paulista dos seus trinta anos, empresário que investiu com o seu pai (residente em São Paulo) alguns recursos, na divulgação do seu negócio.
Pessoalmente, já tinha estado em Itararé em mil novecentos e noventa e quatro, agora era tudo diferente – mais civilização, mas as ruas ainda são de terra batida e a população tentava a todo o custo, manter as tradições locais – de não à invasão exagerada e ambígua.
Fizemos alguns passeios diferenciados, apesar de eu não ser adepto de desportos muito radicais, ainda andamos de caiaque pelos afluentes e descemos algumas correntezas, para além de termos conhecido Maraú –
Alugamos um quadriciclo e com um guia, passamos o dia todo, procurando, buscando, espaços entre os já existentes de terra batida, de lama.
Acabamos no meio de umas dunas e o nosso olhar só alcançava – beleza.
Província de Maraú – Barra Grande – um dos paraísos desta terra santa, que se chama Bahia. (uns anos mais tarde, tive a satisfação de desfrutar daquele espaço)
Paulo o dono da pousada/hotel, passava sempre que podia, algum tempo conosco mostrando os arredores de Itararé.

Programávamos a nossa ida para o próximo destino.

Um local que eu recomendo, a qualquer ser humano, que goste de viver neste mundo cheio de coisas belas e de belas coisas.
Como é bom conhecer o desconhecido, amar o belo e fazer do que é menos bonito, lindo...
Saber sentir os sentimentos, que os nossos sentidos nos dão a cada descoberta momentânea de vida...

- Chapada Diamantina.

Quando Deus criou o mundo, procurou fazer daquele cantinho da Bahia, o seu local de descanso e de meditação.

Nunca mais me esquecerei daquela viagem. Saímos de Itararé, cedo por volta das seis e trinta da manhã, procurei saber o melhor caminho, indagando, tomando notas, para chegar á Chapada Diamantina.
Diga-se de passagem, que a experiência da viagem na estrada, foi traumatizante: As estradas péssimas, cheias de buracos... Desculpem, crateras, o meu carro novinho em folha, caia constantemente em buracos, buracões – só me apetecia sair do carro e colocá-lo sobre as minhas costas, para os pneus não furarem – e furaram... Prejuízo – dois pneus estragados foi o custo da viagem.
Chegamos pela noite cerrada, por volta das dez horas, estava exausto, já não raciocinava de cansaço, tinha de ter uma atenção redobrada ao longo de todo o trajeto (por vezes demoramos duas horas para fazer trinta quilômetros).
Chateado, dirigi-me á prefeitura de Lençóis no dia seguinte, queria explanar a minha indignação, por ter viajado durante horas a fio, em estradas, que mais pareciam crateras lunares.
A região é uma zona turística, que devia dar condições aos visitantes de acessibilidade...
Não consegui falar com ninguém de direito, a quem pudesse mostrar a minha opinião.

Reclamações á parte, o dia prometia.
Contratamos um guia turístico... Diogo Santo era o seu nome.
A chapada é um lugar mágico e místico – sabem aqueles espaços que nós criamos nas nossas mentes, que presumimos existirem um dia, algures, para além da nossa imaginação... Sabemos no nosso intimo, que é possível existir.
A cidade mais importante da região é Lençóis – toda a estrutura econômica vive á base de um turismo ecológico/ecoturismo.
Durante muitos anos, se fez a extração desenfreada de pedras preciosas, hoje é proibido, mas ainda assim, encontramos sempre alguém, procurando no fundo das entranhas desta terra, o sustento do dia a dia.
Terra de garimpeiros que comeram “o pão que o diabo amassou”.

Hoje, ontem, talvez amanhã encontremos o momento o passado e o futuro unidos, na tentativa de recriar este Brasil – Brasileiro, de conquistas e desenganos, de lutas, derrotas e vitórias, mas acima de tudo, de muitas virtudes... E honras.

Diogo Santo, pessoa humilde, gentil, disponível – sempre – Santo de nome e não só – de caráter e bondade. Em duas semanas, conhecemos tudo o que era possível conhecer, Santo se desdobrava para nos agradar e mostrar toda a informação que guardava com ele, desde os treze anos, idade que começou a levar os turistas que visitavam a Chapada Diamantina.
Conhecemos montes, vales, cachoeiras, onde tomávamos banhos ininterruptos, o morro do pai Inácio, rios, grutas e grutas... Natureza.

Paz, descoberta constante, a tranqüilidade, o silêncio – introspecção – meditação.

Vale do Capão – Onde Deus descansava todo o sétimo dia...
Para irmos até á cachoeira da fumaça, andam-se umas duas horas, subindo, subindo, até se chegar ao topo de uma montanha.
Exaustos, chega quem consegue subir, sôfregos, respirando com certa dificuldade...
Recuperado, olho para baixo e tenho uma visão indescritível – vejo um vale imenso, cheio de verde e somente verde... Onde estou? Ricardo lá em baixo é o Vale do Capão – responde Santo.
As lágrimas vieram-me aos olhos, pelo momento de alegria e paz que vivenciava. Fiquei uns minutos em silêncio... Abracei Carla e ficamos longos instantes contemplando talvez Shangrilá – onde o ser humano nunca envelhece e fica eternamente jovem de espírito e de mente.

O momento que nunca acaba existe sem dúvida, mais que não seja nas nossas mentes, enquanto a nossa memória não se apaga...






segunda-feira, 26 de julho de 2010

Quinta Dose de Pílulas do Livro...

Lisboa é a maior cidade de Portugal e possuí uma área metropolitana que ocupa cerca de 2.870 km2 com cerca de 2,9 milhões de habitantes.
Os seus bairros típicos, com as suas ruelas estreitas e castiças, são ímpares.
Morava num dos bairros mais típicos de Lisboa – a Graça – junto ao Castelo de São Jorge e do Miradouro de Santa Luzia – recordo-me das nossas finais de tardes de outono, um friozinho, acompanhado de uma bica (como se chama um café expresso em Lisboa) e de uns pasteis de Belém.

O Outono faz-me lembrar (não sei porquê) Outubro, talvez seja porque é quando começa o frio – e Outubro lembra-me “Amália Rodrigues” que morreu em Outubro de mil novecentos e noventa e nove.
Eu sou um apaixonado por “Amália Rodrigues” que representa o Portugal – Português.
“Amália Rodrigues” era uma diva que tinha o sentido do trágico e elevou o canto à condição de poesia, ela soube cruzar o fado com a mais elevada arte poética, trouxe a poesia erudita para o fado, remetia o seu gênio a uma condição natural – a intuição - e foi à intuição que trouxe para o fado poetas que não eram do fado, era maravilhoso para “Amália”, o fado se confundir com um estado de alma, carregado de emoções e que leva a um destino...!
Há fado na sua própria vida, “uma estranha forma de vida”.

E o meu destino. O que seria?...
Estaria o meu fado traçado?
Dava comigo, às sete e meia da manhã, naquele trânsito caótico da cidade das outras eras - Lisboa – falando sozinho e xingando o indivíduo que estava na viatura ao lado da minha, mas que, por portas e travessas, tinha tido a esperteza saloia de avançar uns metros a mais, naquele caos, que eu gostaria que fosse ordem.
Ordem/caos ou vice-versa. Que confusão sem solução aparente...
Isto se repetia todos os dias durante meses.
O pior da alma humana, é o sentimento de desilusão e ineficácia, quando achamos que temos a possibilidade de sermos um pouco felizes, mas infelizmente, não o somos.
Por vezes, existem condicionalismos que apressam/limitam as nossas atitudes as nossas tomadas de decisões.
Sem saber, Carla foi sem dúvida a passagem para a outra margem da ponte.
Cheguei, eram umas vinte e trinta da noite, Carla estava assistindo a novela (acho que brasileira), sentada no sofá da sala, com o aquecedor ligado e de coberta sobre as pernas ligeiramente dobradas, tirei o casaco e coloquei-o á entrada (no hall), dirigi-me ao toillet que ficava em frente á porta de entrada e ouvi uma boa noite amor... Retorqui... Boa noite querida, como foi o teu dia – indagou Carla – normal querida, (enquanto lavava as mãos, pensava seriamente de que forma abordaria o assunto) lembrei-me instantaneamente de convidá-la para irmos jantar fora, talvez fosse mais fácil, para mim – Carlinha vamos comer algo em algum restaurante, Rick (como ela me chamava) eu fiz jantar para nós, além disso, não achas que está um pouco de frio para sairmos! Fiquei sem resposta, mas ao mesmo tempo satisfeito, pela tentativa óbvia de Carla tentar agradar-me com o seu repasto, até porque sinceramente não me apetecia sair muito menos com o frio que estava – claro, claro, ficamos jantamos hoje em casa na boa. Carla levantou-se do sofá da sala e dirigiu-se ao meu encontro – estava saindo do toillet, quando ela me abraçou –
Carlinha precisamos conversar – vamos para Salvador...
Salvador! Porquê Ricardo, não entendi de férias?... O rosto mudou, os olhos ficaram parados, a olhar para mim, á espera de uma resposta.
Olhei, tirei o terno e a gravata e dirigi-me para o quarto (anteriormente e já por algumas vezes, eu tinha falado levemente sobre o assunto de irmos viver para Salvador) não de férias, mas definitivamente, acho que é o nosso destino, algo me diz...
A decisão estava tomada, a compreensão foi importante para a minha vinda definitiva para terras da Bahia.

Embarcamos em finais de Julho de dois mil e três, com destino – rumo a Salvador via São Paulo.
Tinha conseguido uma licença sem vencimento durante dois anos e com alguma dificuldade, até pela rapidez de todo o processo, vender o meu apartamento, por um preço bastante agradável, o que me dava à partida, condições e tempo suficiente, para analisar propostas de negócios, bem como formas de investimento possíveis.
Todo o resto que eu trazia, eram problemas emocionais e familiares que até hoje, tenho ainda alguma dificuldade em resolver.
A minha família, nunca aceitou bem a idéia, que eu tinha em mente, mas de uma forma ou de outra, foram lentamente dizendo sim – sem nunca dizerem amen.

Gerir, isso tudo, foi no início muito complicado e deveras problemático, até pelas saudades inerentes a todo o processo... Situações á parte, até que sou um felizardo, pelo fato de imensas vezes durante o ano, quando não me é possível ir a Portugal, alguém de família ou amigos, vem visitar-me e abraçar-me, o que me dá certo conforto e confiança.
Até porque existe um meio de transporte, bastante rápido que é o avião e que só são oito horas sentadas, sem quase se poder mover, bastante apertado – porque a distância da poltrona da frente, não nos permite sequer esticar as nossas pernas, quanto mais viajar confortável...

Amar e ser amado – eis a questão...

Chegamos finalmente a Salvador, deixamos as malas num Apart-hotel e seguimos viagem para Arraial de Ajuda – perto de Porto Seguro.

Arraial de Ajuda – é um vilarejo super aconchegante – rodeado de excelentes praias – e lugares ainda calmos e tranqüilos, pode-se desfrutar de dias e dias sem fim de sol e águas quentes – Trancoso – Praia do Espelho.
No início, ficamos hospedados numa pousada perto da Villa, o conforto não era lá grande coisa, então resolvemos procurar, algo de diferente, que nos desse mais tranqüilidade e sossego.
Depois de muito procurarmos, ainda demoramos uns três dias, presumo eu, batemos na porta certa. Angélica e Richard – que casal maravilhoso – tornamo-nos amigos ao primeiro contacto.
Eles são alemães que um dia, há Vinte anos, vieram de férias para Arraial da Ajuda – cansados da vida na Europa resolveram no ano seguinte, vender tudo e comprar um terreno junto ao mar e construíram a sua linda casa – com mais três casas, bastante aconchegantes, que alugam só para os amigos que vêm de fora. Nós não éramos conhecidos muito menos amigos... Mas a empatia aconteceu.
Angélica era estilista de moda – alta costura européia – Milão, Roma, Paris, Berlin – amiga de Karl Lagarfeld – que pessoa fantástica, extrovertida, estilosa, sempre bem vestida e super maquiada e pintada – chiquérrima – até quando colocava biquíni se tornava chique.
Richard é professor catedrático de Física Nuclear – vai uma vez por mês para o Recife, corrigir as teses de Doutoramento, daqueles que tentam fazer da física o seu modus vivendi.

Que casal, que pessoas de uma personalidade e simpatia extraordinária.
Ficamos algum tempo, bastante tempo hospedados em casa deles...
Eles adoravam receber os amigos dentro de casa... O mobiliário de sua casa era todo em acrílico – misturado com imensas antiguidades – aparadores –arte sacra - relógios antiqüíssimos – de um gosto aprumado e soberano.
A sua sala de jantar era bastante ampla e aproveitávamos os jantares que nos eram oferecidos, com muita prosa salutar e agradável.
Estávamos em lua de mel, todos os momentos se tornavam únicos e aprazíveis, tudo para mim era novidade, as praias lindíssimas, o convívio com as pessoas, o simples acordar e tomar o café matinal junto ao mar, ouvindo o som das pequenas ondas junto á areia.
O nosso pequeno lar ficava juntinho á praia... Era bom de mais...
Angélica, não bebia bebidas alcoólicas, mas Richard, de quando em vez acompanhava-me, num vinho branco bem gelado (de preferência Português) ou então num belo e borbulhoso espumante...
Estes eram os nossos finais de tarde, depois de longos passeios (tínhamos alugado um carro) pelas praias ao redor – acho que percorremos todas as praias que foram sugeridas, num redor de cinqüenta kilometros.

Ás vezes atravessávamos de barco e íamos até Porto Seguro – conhecer um pouco da História – da Bahia e do Brasil, indagando quem tinha sido fulano ou beltrano – qual o seu papel na construção deste Brasil – Indígena, Português e Africano.
Constantemente, penso sobre a epopéia dos descobrimentos Portugueses e o que levou os meus antepassados, a desbravarem esses mares nunca antes navegados. A coragem a determinação de um povo, que procurando sobreviver, encontrou novos povos, novas culturas novas gentes... Gentes diferentes por esse globo terrestre fora.
Tento imaginar o que seria no século XV e XVI viajar dentro de uma nau, atravessando durante meses e meses os oceanos perfeitamente desconhecidos, com intempéries e passando por lugares que se julgavam inultrapassáveis, porque os relatos anteriores diziam que havia monstros (enfim lendas que foram desmistificadas pelos bravos e destemidos marinheiros Portugueses).

Acho que sem convencimento algum, nem melindrando ninguém, posso afirmar, com as devidas proporções temporais, que podemos comparar a importância dos descobrimentos Portugueses, á viagem do primeiro homem á lua...
Agora estava junto, ao que foi o primeiro local de desembarque dos marinheiros Portugueses, quando resolveram aportar em terras de Porto Seguro.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Quarta Dose de Pilulas do Livro...

A Baia de todos os santos é a maior do Brasil e uma das maiores do mundo. Tem uma área de mais ou menos 970 km2, trinta ilhas, imensas praias e enseadas que formam belíssimas paisagens e diversos rios e riachos.

A beleza da cidade – salvador- confunde-se com o seu mar e com a extensão do mesmo.
Águas calmas, tranqüilas, como se os santos, nos quisessem dizer..., algo.
Velejar, pelas águas da baia, nos remete para momentos únicos de tranqüilidade e paz interior.
Soube mais tarde, o significado desta vivência, profícua.
Regressei a Salvador, em dois mil e um, para assistir “in loco” aquilo que só ouvia falar através da mídia. O carnaval de Salvador é uma festa indescritível e única, que só pode ser retratada através da vivência pessoal de cada um.
Cheguei, numa Quinta-Feira pela noite e fui diretamente para um apartamento alugado, perto de um dos circuitos do carnaval – Campo Grande...
Pela manhã do dia seguinte, uns amigos foram buscar-me para me mostrarem a folia carnavalesca.
Passamos os dois dias que se seguiu á minha chegada, divertindo-nos e conhecendo o que de bom esta festa mágica tem para nos mostrar. É interessante tentar descrever, a alegria, a satisfação, que se vê nos rostos das gentes, espalhadas por essa Salvador mágica e verdadeira...
Viver a Bahia em período especial de alegria é algo que tem a ver com magia... Magia é o sorriso das gentes – das crianças – dos pais – das avós... Enfim de todos nós, que procuramos, sempre e constantemente, aquele momento especial de felicidade, mais que não seja aquele momento...

“A vida é feita de pequenos nadas e são os nadas que constrói o todo”
E o que são os nadas, senão os momentos, somados e elevados á sensação prazerosa de eventualmente, podermos ser um pouco felizes... Algures.

Por volta das treze horas de Domingo, dirigi-me á concentração do trio elétrico – Bloco Eva – com quem? Adivinhem claro Ivete Sangalo.
Jamais imaginaria e o digo com plena convicção, que pudesse vivenciar algo tão diferente do que estava habituado.
Não imaginava o que era um bloco de carnaval, nem nunca tinha visto um trio elétrico – o que passava em Portugal através da televisão era o carnaval do Rio – Sambódromo.
Jamais, tinha a noção do que era a folia.
As pessoas se concentram e esperam que o bloco - número de pessoas junto ao trio - que adquirem um abada, saia pela avenida. O percurso dura em média umas cinco a seis horas.
Ao longo do trajeto, a sensação de felicidade está estampada nos rostos destas gentes, cantam, dançam, gritam... Olhava para as casas e via cartazes – dizendo: eu te amo Ivete – eu te adoro Ivete – o som e a música, faziam estas gentes, se deliciarem com o ritmo e com o suingue constante e ritmado... Que delícia.
Ficava imaginando, os meus estimados amigos em Lisboa, com uma temperatura de cinco seis graus – frio pra carago – e eu nesse bem bom eufórico e vivenciando, momentos únicos de satisfação.
Olhava e via pessoas nas árvores – ao longo do percurso, nas varandas das casas, nos passeios... E toda a bela gente dançando e vibrando...

Como é bom ser baiano... Pensava.
Como devem imaginar, nos dois dias subseqüentes, já me sentia perfeitamente em casa – como se diz em bom Português.

Retornei no ano a seguir pelos mesmos motivos – á procura de algo! O quê? – e a minha vida começou a ser alterada, minuto a minuto eu me reencontrava com o meu sentido/destino/vida.
Vim, a saber, mais tarde, (alguém me confidenciou) que o meu “regresso” á Bahia-Salvador, tinha a ver com uma questão espiritual de resgate, com alguém, com algo...
O que era esse resgate? Indagava constantemente... Sabem aquela noção de insatisfação constante..., Deixou de existir a partir do momento em que vim para a Bahia.
Meu querido e amado pai Roldão e minha querida e amada mãe Zita (já desencarnada) me mostraram o caminho da espiritualidade, e do amor.
Desde miúdo, com outros entes familiares, que me são muito queridos, buscávamos intensamente a verdade, através da doutrina e do racionalismo cristão.
Fui educado sabendo, que um dia, certo dia, abandonaria esta fisionomia, para aceder a outros campos energéticos, onde pudesse continuar a evoluir.
Por isso quando alguém me disse – Ricardo tu estás aqui hoje e agora, para cumprir aquilo que não terminaste um dia! Nada respondi, simplesmente acedi á constatação.
Vim a verificar que realmente, as coisas foram se avolumando ao longo dos anos, de uma forma intrínseca e verdadeira... E quando dei por mim estava em Salvador, casado e apaixonado pela mulher baiana – que segundo me disseram, fazia parte do meu resgate de vidas passadas.

Estranho!... Mas verdadeiro e verossímil.
Olhava e procurava talvez, algum olhar no meio de tantos olhares, de tantas dissertações de tudo o que é possível procurar e verificar.
Talvez pudesse encontrar – ou sentir – os sentidos nos dão a orientação dos momentos precisos, nos transportam para além – e estávamos no meio do carnaval, num camarote em algum local da Barra.

Encontrámo-nos no meio desses olhares, mas aqueles olhos eram únicos e talvez fosse o momento.
Depois daquele minuto, tudo mudou...
Aquele minuto se transformou em minutos e os minutos em horas, paixão, amor, meses, casamento. Sim, casei-me mais tarde, com Carla em Dezembro de dois mil e três em Salvador... Que loucura deliciosamente louca.
Alguns dias depois, tinha de viajar para Natal, para me encontrar com uns amigos e regressaria para Lisboa, via Recife.
Só que a “saudade” era mais forte... A palavra “Saudade” só é conhecida em Galego-Português e mostra a mistura dos sentimentos de perda, amor e distância, define a mágoa que se sente pela ausência... E quando matamos a “Saudade” sentimos alegria.
De Lisboa, falava todos os dias com Carla – via telefone, até que tomamos uma decisão, que penso ter sido a mais sensata... (até pelos custos inerentes... telefônicos!).
Carla foi viver para Portugal – assim estávamos mais perto um do outro e poderíamos desfrutar daquilo que sonhávamos há já alguns meses.

Terceira Dose de Pílulas do Livro...

Em vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro, deu-se uma revolução em Portugal, revolução pacífica – chamada de revolução dos cravos – ela acontece devido ao descontentamento de um pequeno grupo de oficiais do exército Português (movimento dos capitães de Abril) que descontentes com a sua situação, resolvem tomar o poder.

A mudança política e social em Portugal desencadeia o que já se espera á bastante tempo – a descolonização dos países africanos de expressão portuguesa – Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Eu fui para Portugal com os meus pais em Outubro de mil novecentos e setenta e cinco, com nove anos de idade.
Toda a minha formação e todo o meu crescimento foram passados em Lisboa.
Foi em Lisboa, que fui adolescente, que me formei e aprendi a ser homem a ser marido e por último pai.

Foi em Portugal que aprendi a amar e ser amado...

Lisboa a cidade das sete colinas.
A história confunde-se com a própria vida das pessoas e Lisboa tem essa capacidade de fazer que constantemente nos lembremos dela – cidade. Bairro alto, Mouraria, Madragoa, Alfama – bairros típicos que por si só são a história desta cidade cheia de luz, cidade branca, banhada pelo rio Tejo – e que tantas vezes foi cantada através dos poetas.
Cidade dos poetas – cidade do FADO – cidade de Santo António (que nasceu em Lisboa no bairro da graça e não em Pádua, como muitos querem fazer crer) Cidade dos Fados/Destinos – Capital do grande império que foi Portugal, país á beira mar plantado que um dia ousou conquistar os mares e desafiar os velhos do Restelo.
Cresci, nessa mudança política constante entre a esquerda e a direita – entre o socialismo e a chamada socialdemocracia que afinal não é mais que um neoliberalismo/ ou capitalismo camuflado. Durante muitos anos o rumo do país parecia descambar para um precipício (como disse um dia "João Alves da Costa” um manicômio em auto-gestão” exagero ou não um célebre dia de mil novecentos e oitenta e cinco, no Mosteiro dos Jerónimos, em Belém – foi assinado o tratado de adesão de Portugal á Comunidade Econômica Européia.

Comunidade Econômica Européia! Perguntávamos nós, o que é isso, será que o país vai beneficiar também no aspecto social!
Diga-se de passagem, que todas as pessoas que me conhecem, sabem bem que eu sempre fui um céptico em relação aos objetivos finais da CEE, como era conhecida a sigla.
A adesão de Portugal foi efetuada em três fases, na primeira fase o objetivo era uma união agrícola – uniformização dos processos agrícolas dos doze países (na altura) pertencentes á CEE.
Na segunda fase, uma união econômica – critérios de convergência econômicos, moeda única Euro e uma terceira fase que levanta e levantará mais polêmica ao longo dos anos que é a união política, fazer uma confederação de estados europeus – naturalmente que para nós estudantes universitários e jovens irreverentes e contestatários, isto tudo nos cheirava a esturro. Eu viria a ter razão.
Claro que com a quantidade de dinheiro enviado a fundo perdido, os governos foram ao longo dos anos, construindo estradas, hospitais, escolas e camuflando um pouco as questões sociais, desemprego, baixos ordenados, custo dos produtos essenciais muito elevados, preço da habitação super inflacionado, custo dos transportes, gasolina a um preço exorbitante, a mais cara da Europa, impostos elevadíssimos – claro que a comunidade européia tinha um preço e nós estávamos a começar a pagar por esse preço de uma forma muito elevada.
Portugal praticamente importa tudo, excetuando alguns bens de consumo de primeira necessidade.
O país produz vinho, azeite e cortiça, a indústria salvo raras exceções, não se preparou convenientemente para a competitividade que aí vinha. Os mais preparados tomariam conta do mercado.
A salvação era o turismo, devido ao litoral que Portugal detém e também por causa do clima ameno existente, em comparação com outros países da Europa. Mas nem no turismo se conseguiu atingir os objetivos a que se propunham.
Os nossos vizinhos espanhóis, melhor preparados começaram a tomar conta de alguns sectores da economia portuguesa e aproveitando o espaço econômico livre, sem restrições, foram aos poucos comprando o que de melhor havia no país. As multinacionais de grandes empresas mundiais que tinham sede em Lisboa e no Porto foram fechando e transferindo-as para Madrid – a nova capital da península ibérica.

Não querendo ser muito céptico Portugal transformou-se num país de serviços...
A população inicialmente sentia-se indignada, depois quase que atraiçoada e finalmente angustiada.

– É o fado / destino dos portugueses...!

A melancolia dava lugar á alegria e á satisfação, as pessoas deixaram de ter poder de compra e refugiavam-se nas suas casas, a taxa de endividamento bancário é muito elevada no país, à população trabalha para pagar o empréstimo da casa durante trinta anos e o carro durante cinco anos, com os ordenados mais baixos da Europa e com a carga tributária mais elevada o português tornou-se angustiado e com a entrada do Euro (moeda única) a situação agravou-se ainda mais, porque os bens de consumo ficaram todos mais caros.
O português com as regras impostas por Bruxelas - economicistas e tecnocráticas tornou-se mais solitário, só pensando em si próprio e não tendo tempo sequer para a família quanto mais para os seus amigos e conterrâneos é o sistema capitalista funcionando da forma mais atroz.

Esta é a essência do Portugal que eu conheço e vivi até bem pouco tempo atrás.
Não gosto deste Portugal, queria aquele Portugal humano, social e tranqüilo onde as pessoas se cumprimentavam na rua sem estarem preocupadas se terão dinheiro para pagar a renda da casa e a prestação do carro (porque os juros vão subir) e iam á padaria comprar pão feito no forno á lenha, sem pensarem em abastecer o carro hoje, (porque amanhã a gasolina aumentará outra vez).

Que saudades do Portugal Português de todos nós e que indiferença ao Portugal Pseudo Europeu... De alguns; muito poucos.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Segunda Dose de Pílulas do Livro...

No dia seguinte, retornamos a Itaparica, para os últimos três dias em terras de Pedro Álvares Cabral...

Itaparica é uma ilha que fica em frente a salvador a mais ou menos cinqüenta minutos de ferry-boat, é algo tão tranqüilo, tão calmo, tão reconfortante, que se as pessoas soubessem, iriam para a ilha para curar dos seus esgotamentos e sairiam concerteza completamente refeitos e recuperados.
A freqüência da ilha é fundamentalmente de nativos, somente aos finais de semana vêm outras gentes, aqueles que habitam na cidade-Salvador.

Por vezes, encontra-se João Ubaldo, passeando de calções e chinelos, juntos ao caís de Itaparica, cumprimentado por todos aqueles que passam ao seu redor, senta-se junto ao muro observando o lento e silencioso bater das ondas.

O único stress em determinados dias, é o cantar dos pássaros e o bater das ondas...

Estávamos no caís observando a Ilha de Madre - de Deus que fica bem á nossa frente, quando Zé Gordão (habitante e nativo da ilha-homem de sete actividades-Professor, Técnico de Futebol, dono de Bar e principalmente homem com um objetivo social dentro da comunidade – fundou uma escolinha de futebol juvenil, sem ajuda de ninguém só de Deus – segundo ele dizia. Meninos – como ele nos chamava – Gostaria de fazer um jantar para vocês, o que acham. Hoje á noite está bom... Claro, respondemos quase que em uníssono, Zé tinha um barzinho que funcionava só para os amigos, em dias especiais, quem cozinhava era a Senhora dele e ás vezes a mãe.
Meninos, a minha mãe quer fazer algo para vocês, ela é que insistiu, podemos levar um vinhozinho Português, perguntei – claro Ricardo para vocês, tu sabes que eu não bebo – Zé era evangélico e o álcool era proibido na sua formação religiosa.

Tínhamos passado bons momentos no bar do Zé, tomávamos umas atrás de outras, comíamos uns petiscos feitos pela Senhora dele e ouvíamos umas mornas de Cabo-Verde ao final de tardinha no meio da rua, pois a casa dele ficava em frente ao caís e á praia, Zé punha as caixas de som no passeio e fazíamos grandes farras ao som da música Cabo-Verdiana dos Tubarões, (era um grupo de excelentes instrumentistas, da música de Cabo-Verde)
Cabo verde e um país africano, constituído por dez ilhas e que está localizado no oceano atlântico e que foi colônia de Portugal desde o século XV até á sua independência em mil novecentos e setenta e cinco. O povo cabo-verdiano é conhecido pela sua musicalidade.
Morna é um estilo de música mais calmo – mais introspectivo – idêntico ao que canta hoje Cesária Évora – inclusive á quem diga que o Fado tem as suas raízes na morna, porque os marinheiros Portugueses, nas longas viagens de ida e de volta, ouviam os escravos a sussurrar determinado som triste, melancólico. Outro estilo era a coladera, mais animada que ás vezes Zé perguntava e afirmava – Será que não é lambada – ele próprio dizia – Claro que é ao que eu respondia – é parecido Zé, tudo vem de lá, de áfrica...
Nunca tínhamos comido aquele repasto que a mãe de Zé tinha feito com tanto esmero.
Era Caruru...
Feito de quiabos, camarão seco, castanha de caju, amendoim, gengibre e azeite de dendê, acompanhado de vatapá e feijão fradinho... E regado com um vinho branco que trouxemos de Lisboa... Hummm...
Mãe de Zé discretamente, como mandam as regras, olhava para nós, sem nada dizer esperando é claro o nosso pronunciamento, Calicas sem mais delongas levanta-se e diz com o copo de vinho levantado na mão direita – “Que sejam estas as últimas balas que possam trespassar os nossos depauperados corações” (era uma saudação nossa que utilizávamos em todas as circunstâncias quando brindávamos a algo) que assim seja, disse Zé sem compreender muito bem o que Calicas queria dizer com aquela frase...
Obrigado por tudo amigo Zé, você nos proporcionou momentos muito agradáveis e ao dizer isso dei-lhe um abraço com muita emoção e sinceridade, ao que Fêfê logo em seguida (agradecendo os bons momentos) – pela primeira vez comi aqui na Bahia e penso que é opinião de todos, algo muito saboroso, por que foi feito só para nós com amizade e amor... Os olhos de Zé encheram-se de lágrimas de emoção e a sua mãe disse muito timidamente – é exagero, é exagero meu menino.

De regresso a Lisboa, para nosso desespero as férias tinham acabado, mas para nós tinha ficado o que de melhor poderíamos subtrair.
Talvez dos três, eu tenha ficado mais marcado com aquilo tudo. Éramos três africanos (Féfé Moçambicano, eu e o Calicas Angolanos e da mesma terra – Lobito) indo buscar um pouco das nossas raízes culturais a um Brasil – Baiano cheio de sons, de cores e de cheiros.

Portugal estava a começar a mudar aos poucos, as verbas comunitárias algumas a fundo perdido, tinham alterado a fisionomia do país.
Estruturalmente e organizacionalmente notavam-se mudanças.
Toda a zona portuária de Lisboa junto ao Rio Tejo que banha a capital estava a ser reestruturada, preparava-se a Expo noventa e oito, a exposição universal realizar-se-ia em Lisboa pela primeira vez na história deste país secular. Comemorar-se-ia os quinhentos anos dos descobrimentos Portugueses além mar e a revitalização do pais era inadiável.
Nunca na recente história da Republica Portuguesa, o país tinha recebido tantos fundos financeiros e econômicos e a esperança renascia com a idéia de modernidade. As obras sucediam-se umas atrás das outras, algumas empresas portuguesas, começavam a preparar a sua internacionalização e tentavam aumentar a sua capitalização bolsista. Os bancos de capital privado Português, criados por empresários Portugueses, sistematizavam as suas operações bancárias de crédito.
Os governos abriam oportunidades de investimento, para fomentarem o crescimento econômico do país, resultando um aumento do crédito ao consumo, o crédito á habitação e á aquisição de viaturas generalizava-se por todo o país.

Que felicidade para todos nós... Passageira ou duradoira!
A que preço? Perguntava a mim mesmo.

Uns anos mais tarde soube a resposta.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Primeiras Pílulas do Livro...

Final de tarde, agosto, o cheiro de terra úmida exalava do chão.

Umidade misturada com a terra vermelha, os sentidos afloravam de uma forma inexplicável...

Sensação de “deja vu” (já estive aqui)? Quando? Será que a excitação provocada pelo momento, é suficiente para alterar todos os meus sentidos!

Calicas e Féfé chegaram um belo dia, lá para os meados de Maio, (sim Maio de mil novecentos e noventa e quatro) estava eu a beber um café com uma amarguinha, (licor de amêndoa amarga) na nossa gelataria, onde o pessoal se encontrava quase que sistematicamente.

A Gelataria era uma espécie de café, ponto de encontro de todos nós, Passagem obrigatória para colocar a prosa em dia...
Ricardo vamos para o Brasil...
(Aqui começou toda a minha história e o que me levou a escrever este livro). 

A desconfiança surgiu do nada, até então nada suporia que algo como o que estava a acontecer pudesse surgir sem nenhuma justificação. O porquê do convite! Recordo-me perfeitamente – Cara de admiração...! Eram meus amigos, curtíamos para valer, tivemos momentos ótimos, mas passar férias no Brasil os três sozinhos! Sem as namoradas! Que estranho...!

Na altura eu namorava com Rita, que veio a ser mãe dos meus dois únicos filhos. (gêmeos)

O nome Brasil, por si só cheirava a tropical uma mistura de áfrica (Angola) com Portugal e com os povos indígenas. Veio-me á mente a grande questão da colonização e talvez o que de mais importante os Portugueses fizeram nas ex-colônias, a mistura de raças, miscigenação. Nenhum outro povo conseguiu criar esta irmandade hoje em dia tão respeitada, como os Portugueses.

Nascido em Angola, falar do Brasil era falar de África... Do som, do cheiro, da tonalidade e das tonalidades das gentes, das prosas, do mar... Imenso mar, águas quentes, pôr do sol, noites longas, luar, acordar...

Enfim, era verdade íamos para o Brasil... E logo para a Bahia – Salvador... Quem diria...

Bahia, mais tarde vim a descobrir que realmente é a terra da magia e da alegria.

O sentimento de já ter estado em determinado lugar, ocorre de uma forma intrínseca e imediata. O momento é vivido em duplicado e naquele final de tarde eu sentia que já tinha passado por ali.

Desembarcamos e fomos para um local...
Vim, a saber, um dia, que era Itaparica, terra de João Ubaldo Ribeiro.
A minha relação com Itaparica veio a tornar-se muito intensa... É uma ilha que fica na Bahia de todos os Santos e onde nada acontece por acaso, mas onde tudo existe, através da energia duradoura.

O tempo parou em Itaparica, mas parou de uma forma solene e benéfica... Que beleza, poder desfrutar do tempo... E utilizá-lo sem pensar em gastá-lo...
O nosso desejo era que as nossas férias se prolongassem por dias a fio, sem a necessidade nem a preocupação do retorno.

Viajamos imenso, conhecemos alguma parte do litoral da Bahia – Morro de São Paulo – Itacaré e em Ilhéus assistimos ao sete de setembro, coincidência ou não, dia da Independência do Brasil.

Havia em nós já nessa altura, a noção de uma aculturação.
Refiro-me á quantidade de novos sinais identificativos que aprendemos a utilizar através da televisão.

As novelas Brasileiras vieram sem margem para dúvida, agregar ao quotidiano dos Portugueses novos sinais de identificação cultural.

Claro que estávamos receptivos a descobrir, novos ritmos, novos sons e novas formas de vivência, que aprendemos a respeitar a partir do momento que Jorge Amado – com a sua linguagem realista entrou nas nossas casas através da novela “Gabriela Cravo e Canela” a primeira novela Brasileira a passar em Portugal.

Ilhéus – Terra do Cacau – Recorda-me perfeitamente como se fosse hoje – tínhamos alugado em Valença (perto do Morro de São Paulo) um Fiat Uno e ao chegarmos – pairava no ar, um cheiro tão agradável de cacau – naquele momento preciso, eu identifiquei, o que Jorge Amado sempre nos quis dizer através da sua escrita. Eu estava ali sentindo através do cheiro – o que a Bahia tinha para mostrar.
Ás vezes basta uma descrição, para quando vivenciamos o momento sabermos que é verdadeiro.

Que extraordinário termos a possibilidade de viajar, mais que não seja através da imaginação.

A magia da Bahia a que eu me refiro, começou a partir deste momento a aparecer ao meu olfato como primeiro sinal do que estava para vir. E o que viria era talvez algo impensável nesta altura.

Retornamos a Salvador.

A cidade toda ela é cheia de Luz de vida e fundamentalmente de cores. Todo o santo dia é dia de festa e que festas.
O baiano é super comunicativo, expansivo, gosta de sentir de tocar de abraçar – igual ao africano – Descobri imensa identificação com Angola, o cheiro de Dendê (em Angola é óleo de Palma – da Palmeira) o pirão, os ritmos constantes nas ruas, a beleza inconfundível da negritude – a cor de ébano a mistura de gentes, mas o que mais me impressionou foi à simplicidade das gentes do povo.

Não existe tristeza, nas faces das pessoas – apesar de algum descaso social por parte de quem de direito, os Baianos são imensamente bonitos, porque são simplesmente alegres.

Fomos a um lugar chamado Pelourinho – que fica no centro Histórico da cidade de Salvador, na parte alta da cidade. O pelourinho é um lugar mágico, onde se encontram todas as confluências culturais e sociais da cidade. Lá habitam músicos, artistas plásticos, artistas de rua, passeando naquelas ladeiras de calçada Portuguesa, encontramos a cada esquina – alguém fazendo tranças no cabelo de algum curioso querendo mudar de visual, alguém pintando, é lá onde fica a Fundação Jorge Amado – e algumas das mais belas igrejas de Salvador.

Um amigo comum conduzia-nos pelas ruelas do Pelo – e a cada olhar fomos descobrindo um pouco de Lisboa – Sem dúvida a identificação é inegável, os parapeitos das janelas, as portas das casas, a cor das mesmas, transportava-nos para a bela e bucólica Alfama. Com um simples olhar estávamos algures na cidade do Tejo...

O nosso cicerone e amigo que vivia em Itaparica, tinha-nos falado que ás terca-feiras, havia um ensaio de um grupo que fazia as pessoas ir ao delírio com as suas batucadas ritmadas, segundo ele era uma mistura de Afro-Reagee e que nós íamos adorar. O ensaio começaria por volta das oito horas da noite.

Aproximamo-nos, era uma casa antiga, a fachada um pouco abandonada, mas para nós era uma excitação imensa, compramos o ingresso, subimos umas escadas e fomos ter a um pátio – uma área aberta, ao ar livre, com imensa gente conversando descontraidamente e aguardando pelo inicio do show.

Querem beber o quê? Cerveja claro - respondeu o nosso cicerone, não devem beber nada destilado, pode ser falsificado, nesse instante já o grande Calicas trazia algumas cervejas de lata com ele – toma Ricardo, obrigado amigão, as próximas são minhas ok! Tu é que mandas, respondeu Féfé com o seu ar de brincalhão feliz e assim continuamos por alguns momentos, aguardando pelo inicio do show. Foram chegando cada vez mais pessoas, estávamos todos de pé, não havia cadeiras nem ordem de posicionamento...

De repente, começo a ouvir uma batucada intensa e ritmada, nunca tinha presenciado nada igual... Era talvez uns quinze homens negros, cada um, com um tambor pendurado através de uma fita ao seu pescoço. Os tambores eram pintados com um grafismo verde e amarelo, lembrando um pouco o desenho das panos que as mulheres negras usam no congo e angola- ou seriam as cores da Jamaica! Não sei, comecei a ficar confuso e lá no fundo (já era noite cerrada o céu carregava algumas estrelas, tinha chovido e a noite estava fresca) surgiu uma voz OH OH OH OH ROSAA, OH OH OH OH ROSAA, ALEGRIA CIDADE CANTAA SALVADOR, OH OH OH OH ROSAA, OH OH OH OH ROSAA, ALEGRIA CIDADE CANTAA SALVADOR, era o Olodum, que loucura, o pessoal começou a dançar a movimentar-se acompanhando o som e o ritmo cada vez mais constante da batucada e que batucada. É um ritmo frenético, os tambores parecem que falam toda a mesma língua, sincronizados acompanhando a voz só com um microfone, a batucada não para, ela é contínua somente com algumas nuances de ritmo, agora é mais intensa e a galera quase que entra em êxtase ou será transe, eu olhava para frente e via os meus amigos dançando continuamente sem parar, transpirando toda aquela energia que existia ali naquele momento, como se o som estivesse em comunhão com as nossas almas.

Que experiência, que energia, jamais esquecerei...